REALIDADES

Por que do imaginário no passado nada ainda é real? Apenas por não ser contemporâneo!?´Mas ... É do passado que trazemos ao presente a realidade mais sincera!

domingo, 20 de junho de 2010

Contribuições para ampliar o acesso à Justiça

Embora, possamos ousar dizer que o conceito de acesso à justiça seja quase intuitivo, melhor seria consultarmos a doutrina para melhor entendimento da questão e para que tenhamos melhor referência junto à ciência processual civil. Da lição de Cintra, Grinover e Dinamarco, temos:
Seja nos casos de controle jurisdicional indispensável, seja quando simplesmente uma pretensão deixou de ser satisfeita por quem podia satisfazê-la, a pretensão trazida pela parte ao processo clama por uma solução que faça justiça a ambos os participantes do conflito e do processo. Por isso é que o processo deve ser manipulado de modo a propiciar às partes o acesso à justiça, o qual se resolve, na expressão muito feliz da doutrina brasileira recente em "acesso à ordem jurídica justa. (...) Acesso à justiça não se identifica, pois, com a mera admissão ao processo, ou possibilidade de ingresso em juízo. Como se verá no texto, para que haja o efetivo acesso à justiça é indispensável que o maior número possível de pessoas seja admitido a demandar e a defender-se adequadamente (inclusive em processo criminal), sendo também condenáveis as restrições quanto a determinadas causas (pequeno valor, interesses difusos); mas para a integralidade do acesso à justiça, é preciso isso e muito mais. A ordem jurídico-positiva (Constituição e leis ordinárias) e o lavor dos processualistas modernos têm posto em destaque uma série de princípios e garantias que, somados e interpretados harmoniosamente, constituem o traçado do caminho que conduz as partes à ordem jurídica justa. O acesso à justiça é, pois, a idéia central a que converge toda a oferta constitucional e legal desses princípios e garantias. Assim, (a) oferece-se a mais ampla admissão de pessoas e causas ao processo (universalidade da jurisdição), depois (b) garante-se a todas elas (no cível e no criminal) a observância das regras que consubstanciam o devido processo legal, para que (c) possam participar intensamente da formação do convencimento do juiz que irá julgar a causa (princípio do contraditório), podendo exigir dele a (d) efetividade de uma participação em diálogo -, tudo com vistas a preparar uma solução que seja justa, seja capaz de eliminar todo resíduo de insatisfação. Eis a dinâmica dos princípios e garantias do processo, na sua interação teleológica apontada para a pacificação com justiça.
No mesmo sentido, José Roberto dos Santos Bedaque leciona que:
Acesso à justiça, ou mais propriamente, acesso à ordem jurídica justa, significa proporcionar a todos, sem qualquer restrição, o direito de pleitear a tutela jurisdicional do Estado e de ter à disposição o meio constitucionalmente previsto para alcançar esse resultado. Ninguém pode ser privado do devido processo legal, ou, melhor, do devido processo constitucional. É o processo modelado em conformidade com garantias fundamentais, suficientes para torna-lo équo, correto, giusto.
Também nessa toada é a lição de Dinamarco:
(...) Falar em instrumentalidade do processo ou em sua efetividade significa, no contexto, falar dele como algo posto à disposição das pessoas com vistas a fazê-las mais felizes (ou menos infelizes) mediante a eliminação dos conflitos que as envolvem, com decisões justas. Mais do que um princípio, o acesso à justiça é a síntese de todos os princípios e garantias do processo, seja a nível constitucional ou infraconstitucional , seja em sede legislativa ou doutrinária e jurisprudencial. Chega-se à idéia do acesso à justiça, que é o pólo metodológico mais importante do sistema processual na atualidade, mediante o exame de todos e de qualquer um dos grandes princípios.
E, em outra obra, citando Kazuo Watanabe, leciona:
Acesso à justiça é acesso à ordem jurídica justa (ainda, Kazuo Watanabe), ou seja, obtenção de justiça substancial. Não obtém justiça substancial quem não consegue sequer o exame de suas pretensões pelo Poder Judiciário e também quem recebe soluções atrasadas para suas pretensões, ou soluções que não lhe melhorem efetivamente a vida em relação ao bem pretendido. Todas as garantias integrantes da tutela constitucional do processo convergem a essa promessa-síntese que é a garantia do acesso à justiça assim compreendido.
Já Horácio Wanderlei Rodrigues, citado por Adriana dos Santos Silva, ensina que na doutrina há dois sentidos para a expressão "acesso à justiça". O primeiro coloca "justiça" como sinônimo de "poder judiciário". Assim, nesse caso, acesso à justiça seria sinônimo de acesso ao Poder Judiciário. O segundo sentido da expressão acesso à justiça toma uma conotação dentro de uma escala de valores e direitos fundamentais para o ser humano, que transcende a justiça estatal. Não se esgota no Poder Judiciário. Mauro Cappelletti e Bryant Garth, também citados por Adriana dos Santos Silva, reconhecem a dificuldade de se chegar a uma definição consensual do termo "acesso à justiça". O acesso à justiça deve estar vinculado mais ao conceito axiológico de justiça. Assim, contaríamos com a possibilidade de buscar a justiça, não somente por meio do Poder Judiciário, como também, pela mediação e pela arbitragem que, conforme visto anteriormente, precederam a jurisdição. Cientes do conceito de acesso à justiça, cabe-nos investigar quais os maiores obstáculos a serem vencidos para que tal acesso seja amplo. Ao escrever sobre as "Justificativas para adoção de tutelas sumárias", Bedaque ensina:
Inúmeras são as dificuldades enfrentadas por quem se dispõe a pleitear a tutela jurisdicional do Estado, na tentativa de obter proteção a um direito lesado ou ameaçado. A Justiça está em crise, não só no Brasil, como na maioria dos países. E crise na Justiça implica, necessariamente, Crise de Justiça....Os fatores que contribuem para esse estado de verdadeira calamidade podem ser resumidos basicamente na exagerada demora e no alto custo do processo.
Cabe, então, perguntar: como a ciência processual pode atuar para garantir e até ampliar o acesso à justiça visando reduzir a "exagerada demora e o alto custo do processo"? A resposta é ofertada pelo atual estágio de desenvolvimento da ciência processual: a fase instrumentalista, em que o processo é tido como um instrumento a serviço da paz social, a serviço da ordem jurídica justa. Cândido Rangel Dinamarco nos diz que:
(...) É a instrumentalidade o núcleo e a síntese dos movimentos pelo aprimoramento do sistema processual, sendo consciente ou inconsciente tomada como premissa pelos que defendem o alargamento da via de acesso ao Judiciário e eliminação das diferenças de oportunidades em função da situação econômica dos sujeitos, nos estudos e propostas pela inafastabilidade do controle jurisdicional e efetividade do processo, nas preocupações pela garantia da ampla defesa no processo criminal ou pela igualdade em qualquer processo, no aumento da participação do juiz na instrução da causa e da sua liberdade na apreciação do resultado da instrução(...)Aprimorar o serviço jurisdicional prestado através do processo, dando efetividade aos seus princípios formativos (lógico, jurídico, político, econômico) é uma tendência universal, hoje. E é justamente a instrumentalidade que vale de suficiente justificação lógico-jurídica para essa indispensável dinâmica do sistema e permeabilidade às pressões axiológicas exteriores: tivesse ele seus próprios objetivos e justificação auto-suficiente, razão inexistiria, ou fundamento, para pô-lo à mercê das mutações políticas, constitucionais, sociais, econômicas e jurídico-substanciais da sociedade.
Assim, hoje, é clara a tendência de que o processo seja um instrumento para resolver e pacificar os litígios. Dentro desse prisma, foram trazidas para o ordenamento jurídico várias normas que muito contribuíram para ampliar o acesso à justiça. Dentre elas temos a Lei dos Juizados Especiais, nº 9099/1995; a Lei da Ação Civil Pública, nº 7347/1985; o Código de Defesa do Consumidor, Lei nº8778/1990; o Código da Criança e do Adolescente, Lei nº 8069/1990; a Lei nº 9079/1995, que criou a ação monitória (arts. 1102a, 1102b e 1102c do CPC); a antecipação da tutela. Há ainda, as reformas do Código de Processo Civil e a Emenda Constitucional de nº 45. Essas leis em sentido lato possuem o espírito de diminuir o tempo do processo, reduzir seu custo e, com isso, ampliar o acesso à justiça. Mas, em que pesem todas as alterações, na prática, o usuário do serviço não sente significativa melhora do quadro. Algumas leis, ao mesmo tempo em que aceleram o processo, criam mais direitos. Com isso, há maior número de lides postas à apreciação do Judiciário, que não tem sua estrutura acrescida na mesma proporção da demanda solicitada. É relevante, também, referirmo-nos à especialização da justiça, como elemento garantidor do "acesso". Como exemplo, podemos citar as varas cíveis especializadas em questões de família e sucessões, infância e juventude, fazenda pública, dentre outras e as justiças especializadas como a Justiça Federal e a Justiça do Trabalho. Remetendo-nos, agora, ao conceito axiológico de acesso à justiça, uma alternativa, para se evitar o total colapso do sistema judiciário, poderia ser o incentivo da utilização da mediação[42] (Projeto de Lei nº4827-B/1998) e da arbitragem (Lei nº9307/1996), formas de solução de conflitos extrajudiciais.
Merece destaque, ao se falar em acesso à justiça, a nossa Constituição Federal. Ela oferece uma série de princípios e garantias que muito contribuem para ofertar acesso à ordem jurídica justa. Nos incisos do art. 5º, encontramos várias ferramentas, facilitadoras do acesso à justiça. As seguintes disposições servem de exemplo: O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor (XXXII); a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (XXXV); não haverá juízo ou tribunal de exceção (XXXVII); ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente (LIII); ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (LIV); aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (LV); são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos (LVI); a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem (LX); não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel (LXVII).
Não podemos esquecer, ainda, os "remédios constitucionais" habeas corpus, mandado de segurança, habeas data e mandado de injunção, assim como a assistência jurídica integral e gratuita. A Emenda Constitucional nº 45 acrescentou, no rol do art. 5º, o inciso LXXVIII, que garante a todos, tanto no processo judicial, quanto no administrativo, duração razoável e meios para garantir a celeridade da tramitação. Há ainda, na CF, outras garantias, que também lançam reflexos no acesso à justiça, tais como as garantias da magistratura. Essa última Emenda Constitucional, também conhecida por "reforma do judiciário", trouxe vários dispositivos que, espera-se, contribuam para o melhor acesso à justiça. Apenas como exemplo citamos os §§ 2º e 3º do art. 107, os §§ 1º e 2º do art. 115 e os §§ 6º e 7º do art. 125, que criam a justiça itinerante, bem como recomendam a descentralização dos Tribunais, na Justiça Federal, Justiça do Trabalho e nas Justiças Estaduais. Outra questão relevante a ser considerada é a de que o maior cliente do Judiciário, é sabidamente, a Administração Pública. Assim, tanto o Executivo Federal, quanto os estaduais e os municipais, figuram em um dos pólos da maioria das ações, contribuindo significativamente para o congestionamento da máquina judiciária. Ademais, a Fazenda Pública goza de prazos diferenciados e, mais, a Administração Pública Federal conta com uma justiça especializada para os casos em que figure em um dos pólos da ação (Justiça Federal), além de efetuar pagamentos, regra geral, por meio de precatórios. Mas, valendo-nos do Direito Administrativo, especialmente dos conceitos sobre interesses primário (interesse público propriamente dito) e secundário (interesses particulares, individuais do Estado, como pessoa jurídica), ensinados por Celso Antônio Bandeira de Melo, temos que é interesse primário da Administração Pública cumprir bem a lei. Se isso fosse realmente observado, não seria o Executivo o maior cliente dos serviços jurisdicionais.

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