REALIDADES

Por que do imaginário no passado nada ainda é real? Apenas por não ser contemporâneo!?´Mas ... É do passado que trazemos ao presente a realidade mais sincera!

sexta-feira, 23 de julho de 2010

RAPINAS


Sindicatos faturam milhões por ano com cobrança ilegal de aposentados
O desconto da mensalidade sindical sobre a aposentadoria, feito diretamente na fonte pela Previdência Social, virou uma mina de ouro para os sindicatos. Só em junho, 11 entidades conveniadas ao INSS embolsaram R$ 21 milhões (o equivalente a R$ 252 milhões por ano). O montante provém de 2,167 milhões de aposentados que, todo mês, têm até 2% do benefício descontados no contracheque. A lei que trata do pagamento da aposentadoria permite a retenção desses valores desde que expressamente autorizada pelo segurado, o que não está sendo cumprido. O desconto é acertado com o Ministério da Previdência pelos próprios sindicatos, que enviam a lista de quem deve ter a contribuição deduzida do benefício. Mas boa parte dos segurados sequer sabe que está pagando a mensalidade. Isso porque os inativos não recebem cópia do contracheque, que só fica disponível na internet. O desconto indevido só é devolvido em caso de reclamação. Ainda assim, com apoio do governo, as entidades conseguem dificultar a vida dos aposentados que desejam parar de pagar a mensalidade. Numa visita do ministro da Previdência, Carlos Gabas, à sede da Confederação Brasileira dos Aposentados (Cobap), na última quarta-feira, ficou decidido que o interessado precisa ir até o sindicato ou associação para pedir o cancelamento pessoalmente. Não poderá mais fazê-lo no banco onde recebe o benefício. Entretanto, o próprio INSS sabe que existem problemas, pois, a cada auditoria realizada semestralmente, 1% das amostras analisadas é irregular. A constatação dispara o alerta de que milhares de aposentados podem estar sendo lesados. Foi o que aconteceu com o bancário aposentado Carlos Jorge Guimarães. Ao receber a aposentadoria da Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil) de fevereiro, ele percebeu que o valor oriundo do INSS estava menor. Contou que havia dois descontos, de R$ 23 cada, a favor da CUT, referentes a janeiro e fevereiro. Ao ligar para a Previdência, foi orientado a procurar um posto do INSS. No posto, disseram-lhe para ir até a sede da CUT, onde funciona o Sindicato Nacional dos Trabalhadores Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sintapi), para pedir o reembolso e o cancelamento do desconto. Mesmo tendo cumprido esse processo, contou, o desconto continuou em março: - Estranhei o desconto, achei que era para campanha política. É uma malandragem, pois muita gente nem percebe porque não recebe o espelho do pagamento - afirmou Guimarães. O presidente do Sintapi, Epitácio Luiz Epaminondas, o Luizão, alegou que a entidade está em campanha de filiação e atribuiu o desconto indevido a erros de digitação, que prejudicaram 65 aposentados, segundo ele, desde fevereiro. - Quanto mais rápido digitar, mais cedo chega o desconto. A conferência não foi bem feita, mas devolvemos o dinheiro para quem reclamou, sem nem discutir. Não interessa para nós nem para ninguém que essa história cresça - disse Luizão. Uma das explicações para o desconto seria a campanha das entidades sindicais pelo reajuste do salário mínimo. O sindicalista nega. Mas, segundo o INSS, por conta do aumento do mínimo, o valor repassado aos sindicatos aumentou. Em dezembro de 2008, esse valor foi de R$ 16,720 milhões. Passou para R$ 19,040 milhões em dezembro de 2009. João Inocentini, presidente do Sindicato Nacional de Aposentados (Sindinap), ligado à Força Sindical, admitiu que erros acontecem: - Às vezes, o aposentado autoriza o desconto e depois esquece, mas há também atos de má-fé - disse Inocentini, sem dar detalhes. O presidente da Cobap, Warley Martins, tem a mesma opinião. Atendentes do próprio INSS parecem estar familiarizados com o problema, como foi constatado pelo GLOBO ao ligar para o número 135. Ao ser informado da queixa, o atendente aconselhou o repórter a procurar um posto de atendimento ou ir até o sindicato para cancelar o "vínculo". A mesma orientação foi dada ao se entrar em contato com a Ouvidoria-Geral. Gerentes das agências contam que muitos aposentados vão ao INSS com outros tipos de queixa, como empréstimo consignado, e acabam descobrindo o desconto indevido. O problema é maior nas cidades do interior. - Eles acham que é alguma taxa que vai para o governo - disse um gerente de agência do INSS de Brasília, que preferiu não se identificar. O presidente do INSS, Valdir Simão, informou que vai investigar as ocorrências envolvendo o Sintapi. Ele reiterou que os convênios são legais e que são feitas auditorias a cada seis meses para verificar se as entidades têm a ficha assinada pelo associado autorizando o desconto. Parlamentares que atuam na defesa de aposentados, como o senador Paulo Paim (PT-RS) e o deputado Gilmar Machado (PT-MG), disseram desconhecer o desconto das mensalidades na folha. Paim disse, porém, que convocará as entidades para tratar do assunto em audiência pública. - A legislação tem que ser cumprida. A entidade não pode descontar de forma direta e arbitrária - destacou o senador. - Acho que está se precisando fazer ajustes nessa legislação - emendou o deputado.

terça-feira, 20 de julho de 2010

PARA QUEM?


Considerações históricas e jurídicas sobre o direito humano (e da humanidade) ao desenvolvimento.


A necessária solidariedade diante da crise ambiental


A história dos direitos humanos é fruto de uma evolução, surgindo como resposta a cada nova necessidade humana. O direito humano ao desenvolvimento, especificamente, tem sua história relacionada com a independência das colônias africanas. O próprio termo "desenvolvimento" sofreu uma intensa evolução. Inicialmente tido como um conceito puramente econômico, passou a ser considerado multidisciplinar. Caracteriza-se por ser um direito humano de terceira geração, individual no plano interno e coletivo no plano internacional. A solidariedade (a fraternité da Revolução Francesa), traço importante dos direitos humanos de terceira geração, é imprescindível para a vida humana, diante da grave crise ambiental atual.
Os direitos humanos são com um edifício em constante construção, cuja "inauguração oficial" ocorreu com as revoluções liberais, mas suas bases foram sentadas há muito. Ademais, é uma obra coletiva, pois muitos aportam tijolos, como por exemplo os gregos antigos; alguns padres da Igreja Católica primitiva como Santo Agostinho; os membros da Escola de Salamanca (eclipsada e substituida pelo protestantismo anglo-saxão pela sua falta de continuidade), como Francisco de Vitoria; os filósofos da Ilustração, que substituiram Deus pela razão, abrindo caminho à Reforma Protestante e sua livre interpretação da Bíblia; o Renascimento, que trouxe de volta o individualismo, no lugar do "coletivismo medieval"; muitos filósofos, como Locke, Kant, etc.
A Idade Média era uma sociedade de privilégios, na qual o individualismo não existia. As pessoas existiam enquanto membros de um corpo, que podia ser a família, seu oficio, etc. Não havia igualdade perante a lei. Cada classe social (nobreza, clero, povo) já sabia qual era seu papel na sociedade. A propiedade, por exemplo, não era algo pessoal, mas coletiva (v.g.: propiedade da família, da Igreja, etc.). Claro está que em uma sociedade de desiguais não podia existir o que hoje conhecemos como direitos humanos.
Para Antonio Gala, "en la Edad Media el hombre goza de muy pocas libertades, aparte la de salvarse o condenarse en otra vida, no en ésta. Pero está acompañado: pertenece a un pueblo, a un dueño, a una estabilidad geográfica, a un oficio y a un gremio que marcan los precios y el mercado; a un status dentro de su ciudad y su trabajo. Las restricciones de la individualidad son excesivas. Hasta que llega la aurora del Renacimiento. En ella brota una flor indecible, la dignidad del hombre y el orgullo de serlo, la búsqueda ardorosa de la fama entre sus semejantes vivos o futuros, el ansia por belleza, que es un sentimiento inédito hasta entonces; el afán de un trabajo ennoblecido y personal, firmado por sus propios autores, no como en los anónimos artesanos medievales. El Renacimiento es como el gran salto hacia la individualización, hacia la diversificación de la libertad que se va concretando en otras libertades: la religiosa, la sociológica, la laboral, la intelectual, incluso la viajera. El mundo sufre la conmoción de conocerse a sí mismo redondeándose con América, y el individuo se descubre a sí mismo también y se endiosa. Florece entonces la semilla del hombre en plenitud."
Mas "no resulta fácil fijar una cronología rígida para el surgimiento de la modernidad y de los derechos humanos. (...) La modernidad entendida como ruptura con la tradición, como innovación y voluntad de cambio, como afirmación del derecho subjetivo del individuo a pensar, a definir y perseguir sus intereses, puede retrotraerse a los siglos XIV-XV, mientras que para algunos estudiosos de los derechos humanos tales valores tendrían una historia de más de dos milenios. Sin embargo, nos parece más exacto, como señala Peces Barba, considerar que las afirmaciones de la libertad o la dignidad del hombre anteriores al tránsito a la modernidad son todo lo más "prehistoria" o precedentes de los mismos." Esses precedentes seriam "desde el descubrimiento por el cristianismo de la dignidad esencial del hombre, hasta la ruptura protestante con el dogmatismo eclesiástico y la afirmación del derecho del individuo al libre examen, y, más tarde, hasta la revolución científica abierta por los grandes descubrimientos de la Edad Moderna, antes de la ruptura, determinante, de la Revolución Francesa".
A doutrina cristã preparou a mentalidade da época para a idéia de direitos humanos. Segundo Celso Lafer, "o ensinamento cristão é um dos formadores da mentalidade que tornou possível o tema dos direitos humanos", pois com o cristianismo somos todos iguais e livres, porquanto criados à semelhança de Deus. No contexto do Estado absolutista, a liberdade religiosa foi o primeriro direito individual conquistado.
Nesse diapasão, foi de grande importância como "preparação de mentalidade" para os direitos humanos o tabalho da Igreja Católica diante de toda a barbárie cometida pelos colonizadores espanhóis. O Padre Montesinos, espanhol na Ilha de Santo Domingo, deu o que pode ser considerado o primeiro grito a favor da liberdade dos índios, através de seu sermão "ego vox clamatis in deserto", no Natal de 1511. Ademais, o Papa Paulo III, na Bula "Sublimis Deus", de 1537, reconhece que os índios são homens e têm direito à liberdade. São exemplos de precedentes dos direitos humanos.
Bobbio ensina que a afirmação dos direitos humanos depende da "visão individualista da sociedade, segundo a qual, para compreender a sociedade, é preciso partir de baixo, ou seja, dos indivíduos que a compõem, em oposição à concepção orgânica tradicional, segundo a qual a sociedade como um todo vem antes dos indivíduos. A inversão de perspectiva, que a partir de então se torna irreversível, é provocada, no início da era moderna, principalmente pelas guerras de religião, através das quais se vai afirmando o direito de resistência à opressão". Insiste: "Numa concepção orgânica da sociedade, as partes estão em função do todo; numa concepção individualista, o todo é o resultado da livre vontade das partes. Nunca será suficientemente sublinhada a importância histórica dessa inversão. Da concepção individualista da sociedade, nasce a democracia moderna", cuja soberania não debe residir no povo (conceito abstrato), mas em cada um dos cidadãos.
Ainda segundo Bobbio, a história dos direitos humanos teve três fases: 1) direitos de liberdade, é dizer, "todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado"; 2) direitos políticos, que concebem "a liberdade não apenas negativamente, como não-impedimento, mas positivamente, como autonomia"; 3) direitos sociais, diante das exigências de bem-estar e igualdade material, não apenas formal. Seriam, respectivamente, liberdade em relação ao Estado; liberdade no Estado; e liberdade através do Estado. Assim, "a transformação dos Estados absolutistas em Estados de Direito, na linha postulada por Locke, deu-se através da conquista dos direitos civis e políticos".
Para Alves Pereira "o ponto de partida da luta pelos direitos do homem foi determinado pelo movimento cultural-filosófico do Iluminismo, sobretudo no que diz respeito à liberdade de pensamento".
2.1. As revoluções liberais
As revoluções liberais anglo-saxona e francesa foneceram a justificativa para a concepção dos direitos humanos, e criaram verdadeiros mitos através de suas Declarações. A ruptura com o Antigo Regime (e a independência dos Estados Unidos) estava fundamentada no jusnaturalismo, ou seja, em direitos considerados superiores ao direito e ao poder postos. "Tal dimensión de cambio e innovación, y su identificación con la racionalidad en ejercicio, convierte a los derechos humanos en instrumento por excelencia de la modernidad clásica." A causa da independência dos Estados Unidos foi vista como a "causa da humanidade", e além de influenciar a independência dos demais países do novo continente, foi "el motor de la liberación del hombre en buena parte del globo."
Liberté, igualité, fraternité. O lema da Revolução Francesa, revolução liberal, expressa os valores liberal-burgueses. A liberdade individual era considerada o "direito estrela" do sistema. A igualdade era únicamente "ante la ley civil, renunciándose en nombre de la sacralización de la propiedad y del mercado a cualquier pretensión igualitaria en lo socio-económico". E os direitos de fraternidade serão redescubertos duzentos anos depois da Revolução, por pura necesidade de sobrevivência, diante da crise ambiental.
O filósofo inglés Locke (1632-1702) teve grande importância para o edifício dos direitos humanos. Sua filosofia procura legitimar a revolução liberal promovida pela oligarquia inglesa, o primeiro liberalismo ocidental. É dizer, nos seus primeiros dias, os direitos humanos tiveram como finalidade legitimar "revoluções brancas". Ele foi o pai do liberalismo individual. Segundo Touchard, Locke escreveu para uma classe ascendente que precisava de um legitimador: "a obra de Locke não deve seu êxito nem à forte personalidade de seu autor nem à audácia de suas teses. É o tipo de obra que aparece no momento mais oportuno e que reflete a opinião da classe ascendente: teórico da Revolução Inglesa, Locke expressa o ideal da burguesia".
Locke não era democrático (no sentido atual da palavra), mas no contexto da monarquia absoluta inglesa, era um revolucionario. Ele apela ao direito natural e ao pacto social (que passou a ser muito exigente para com o rei) para evitar o despotismo do rei e do Parlamento, bem como para proteger a autonomia do indivíduo. A primera tríade de direitos humanos era: vida, liberdade, propiedade. Para ele, felicidad era ter propiedades. Sua doutrina da propiedade é curiosa: para Locke, o corpo é a primeira propiedade da pessoa, que tem direitos básicos como a vida e a integridad física, liberdade de movimentos, a trabalhar e ao fruto de seu trabalho; assim, a propiedade é a prolongação do corpo. E o pacto social serve para garanti-la. E se o governo não respeita dito pacto (é dizer, a tríade de direitos), os demais têm direito à resistência (limitado). Mas Locke não acredita em um sistema igualitario de propiedad (ni lo podría, pues buscaba legitimar la oligarquía inglesa), mas que cada um tem direito a acumular. Assim, abre caminho para o sistema capitalista.
Entre 1689 e 1789 apareceram os grandes textos clásicos dos direitos humanos, desde textos de Locke como "Carta sobre a tolerancia" (1689) e "Tratado sobre o governo civil" (1690), até as Declarações de Virginia (1776), de Independência de los Estados Unidos (1776), dos Direitos do Homem e do cidadão, fruto essa última da Revolução Francesa (1789).
Os colonos norte-americanos trazem carácter revolucionário aos direitos humanos. As assembléias coloniaies de propietários, que tratavam dos assuntos internos, foram gerando um sentimento de autonomia. O Rei da Inglaterra, George III, impôs uma subida dos impostos para recuperar os gastos da guerra contra a França pelo Canadá. Ademais, houve registros de residências privadas pelos ingleses, o que não acontecia na Inglaterra, onde "a casa de um homem é seu castelo". Assim, foi necessário apelar ao direito natural e à defesa dos direitos adquiridos para defenderse do direito inglês. Nesse sentido, o advogado norte-americano James Otis dizia que o direito positivo inglês tinha origem no direito natural, e defendia o direito natural à inviolabilidade de domicílio. Por sua vez, Paine, en seu "Sentido comun", dizia que os Estados Unidos deveriam convertir-se na vanguarda dos direitos humanos, na luz de um novo humanismo. É uma mensagem universalista e, nesse sentido, uma antecipação da Declaração Universal de 1948. Seu livro circula pelas colonias e posivelmente "preparó de una manera más clara el ambiente revolucionario en las colonias" com passagens como esta: "sumisión continua a un monarca tiránico, un gobierno caduco y un sistema económico viciado, o libertad y felicidad como república auto-suficiente."
A Declaração de Independência era uma carta para o mundo (naquele momento, para a Europa), um texto de propaganda para justificar a independência e alguns direitos, como vida, liberdade, felicidade, liberdade de mercado. Importante destacar a Declaração de Virgínia, que já pode ser considerada uma carta de direitos humanos. Para Jellinek, essa Declaração, bem como a de outros estados norte-americanos foram a fonte da famosa Declaração Francesa de 1789.
Apesar de que a vocação universalista já se notava nos Estados Unidos, essa foi muito mais imediata na França. A Carta de 1789 proclamava a igualdade (o que, para os liberais, significava igualdade ante a lei; um grande avanço para a época, posto que no Antigo Regime a desigualdade estava jurídicamente instituída, naquela sociedade de privilégios), libercade de expressão, o imposto sobre a renda como un direito humano.
A Declaração francesa de 1789 "supone la sustitución de la vieja legitimidad histórica y tradicional del antiguo Régimen por una nueva que expresa la fundamentación del naciente Estado liberal. Responde a las preguntas ¿quién manda?, sustituyendo al monarca por la soberanía nacional; ¿cómo se manda?, estableciendo el imperio de la Ley, a la Ley como garantía de la libertad (arts. 5 y 6); y ¿a quién se manda?, señalando unos contenidos materiales que son los derechos que el hombre de aquel tiempo consideraba fundamentales – garantías penales y procesales (arts. 7, 8 y 9), libertad de opinión, incluida la religiosa (art.10), libertad de expresión (comunicación de los pensamientos) y de imprenta (art. 11), derecho de propiedad (art.17)".
O legado mais importante da Revolução Francesa e sua Declaração de direitos é seu caráter universalista. Nesse sentido, "si tuviésemos al terminar que señalar un rasgo característico de la Declaración de 1789, sería sin duda su carácter universal, su vocación de transcender a los problemas de Francia que intenta salir del Antiguo Régimen y de ofrecerse como modelo para toda la humanidad." Segundo Tocqueville, a Revolução formou "una patria intelectual común". O caráter laico da Revolução, "donde lo sagrado es el orden", foi fundamental para dar esse caráter universal à Declaração, posto que já não se fala dos direitos dos cristianos, ou de determinado grupo religioso, mas de direitos do homem (sem embargo, segue a diferença de classes, o que se comprova pelo voto censitário, instalado por lei, posteriormente).
O liberalismo social, na primeira metade do século XIX, assume os direitos à instrução, ao trabalho ou à asistência social. Os social-demócratas e os trabalhadores "confluyeron con grupos muy diferentes, como radicales demócratas, republicanos de clase media, liberales progresistas, cristiano-sociales, y hasta elites políticas aristocrático-burguesas y conservadoras. Entre fines del siglo XIX y las primeras décadas del siglo XX todas estas fuerzas cooperaron de modo desigual y por diferentes razones en el desarrollo de políticas sociales traducidas – o potencialmente traducibles – en derechos de "segunda generación", impulsando un proceso de expansión a escala nacional y de convergencia a escala internacional de tales derechos".
Mas o processo evolutivo dos direitos humanos "só alcançaria amplitude internacional com a concretização de alguns dos principais objetivos das lutas sociais do século XIX, decorrentes dos problemas intrínsecos às relações capital/trabalho surgidos com a 1ª Revolução Industrial. A Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, outorgada em 1891, tem esse tema como ponto central e lança as bases da Doutrina Social da Igreja Romana". Refere-se à criação da OIT, en 1919, como un marco.
2.2. O século XX
A Constituição Mexicana de 1917 e a de Weimar de 1919 foram as primeiras em conciliar os direitos liberal-burgueses (liberdade, igualdade formal, os ditos direitos de primeira geração) ao tempo em que desenvolviam direitos sociais (os ditos de segunda geração). Na Constituição de Weimar, "un generoso cuerpo de libertades coexistía con un amplio desarrollo de derechos de la "segunda generación", individuales por su titularidad y sociales por el compromiso de la sociedad que ha de promocionar los medios para su cumplimiento. Apostaba precisamente la República Weimar por la compatibilización de valores que el marxismo y el leninismo declaraban antagónicos, y aunque no lograría articular las garantías precisas para su cumplimiento, ni triunfar en su empeño de edificar el Estado Social, no dejaría de tener a lo largo del tiempo un enorme éxito como modelo."
A Liga das Nações (antecessora da ONU) contribuiu um pouco com o desenvolvimento dos direitos humanos, ao inaugurar um importante debate em nível internacional sobre o direito de autodeterminação, bem como o direito à não-discriminação de minorias. Apesar de não ter sido aplicado eficazmente, esse debate preparou o caminho, que logo seria utilizado pelos países em desenvolvimento, em especial, pelos países africanos, ao tornarem-se independentes das metrópoles européias depois da Segunda Guerra.
A barbárie nazista da Segunda Guerra foi fator determinante para que os direitos humanos passassem a ser motivo de preocupação em escala mundial, e que a soberania não podia ser entendida como um princípio absoluto. Em palavras de Antonio Cassese, ao tratar da evolução do direito internacional (que passou a cogitar incluir a pessoa humana como sujeito de direitos na esfera internacional): "los hombres necesitan grandes conmociones, profundas y radicales alteraciones, para replantearse las estructuras sociales y los modelos de vida, para decidirse a renovar el entramado del consorcio humano en un esfuerzo de adaptación a los nuevos desarrollos de la realidad."
Isso desenvolveu o processo de universalização de tais direitos (os Estados nacionais tinham direitos fundamentais semelhantes, o que facilitou a redação da Declaração Universal dos Direitos Humanos), bem como o desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos. A pessoa humana, por fim, estava por cima dos Estados.
Com a criação da ONU, em 26 de junho de 1945, "consolida-se o processo de universalização dos direitos humanos". Em 10 de dezembro de 1948, a Assembléia Geral da ONU, através da Resolução n. 217 A (III), a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que "parecía la coronación de la modernidad clásica por el reconocimiento universal de valores, vanamente pretendido desde la Guerra de Independencia y desde la Carta francesa de 1789, y porque con ella se mostraba el triunfo de una racionalidad compartida por todo el género humano." Mas, na verdade, a impossibilidade de alcançar a "verdade objetiva" (alcança-se apenas a "verdade conciliada/consensuada") reflete a crisis da modernidade.
A questão mais importante, nesse momento, passou a ser dotar a pessoa humana de capacidade jurídica internacional, porque "não se pode falar em direitos do homem garantidos pela ordem jurídica internacional se o homem não for sujeio de DI" (direito internacional). É o que Cançado Trindade denomina "humanização" do direito internacional.
Um passo nesse caminho foi dado com os Tribunais de Nuremberg e de Tóquio, que são duplamente importantes, pois consolidam a idéia de que é necessário limitar a soberania estatal, bem como reconhece aos indivíduos direitos na esfera internacional.
Para Bobbio, "o caminho cotínuo, ainda que várias vezes interrompido, da concepção individualista da sociedade procede lentamente, indo do reconhecimento dos direitos do cidadão de cada Estado até o reconhecimento dos direitos do cidadão do mundo, cujo primeiro anúncio foi a Declaração universal dos direitos humanos". Apesar de que, na época, por razões políticas, não pôde nascer com força jurídica vinculante para os Estados. Para tanto, foi preciso esperar até a entrada em vigor dos Pactos Internacionales de 1966.
A Declaração de Viena de 1993 "reconhece, em documento consensualmente adotado por 171Governos, em seu Artigo 4, a legitimidade da preocupação internacional com a promoção e a proteção dos direitos humanos. Entende-se, com isso, que a matéria extrapola o domínio reservado dos Estados, as atenções internacionais não configuram ingerência e o conceito hobbesiano de soberania é inválido."
Por fim, "ahora disponemos de parámetros de acción para los Estados y para los individuos: los preceptos internacionales acerca de los direitos humanos imponen unas líneas de conducta, exigen a los gobiernos que obren de cierta forma y al mismo tiempo legitiman a los individuos para que eleven bien alto su voz si aquellos direitos y libertades no son respetados." Mas o edificio dos direitos humanos deve seguir em construção.
Apesar de ter sido fundamental na "preparação do terreno", a Igreja Católica adere tardia (Concílio Vaticano II, 1962-65) e parcialmente (não aceita a igualdade entre homens e mulheres) a esse discurso que, em realidade, eram vários discursos, unificados pelo direito internacional. Esse é o único discurso axiológico da sociedade internacional; sem ele, estamos condenados a recorrer à força.
3. Breve história do direito ao desenvolvimento
Parte da doutrina entende que o direito ao desenvolvimento foi concebido como direito humano na Conferência da OIT, na Filadélfia, em 1944. É o caso de Nicolás Angulo Sánchez, que vê na Declaração de Filadelfia uma referência ao desenvolvimento no parágrafo II, inciso a), que diz: "todos los seres humanos, sin discriminación de raza, credo o sexo, tienen el derecho a perseguir su bienestar material y si desarrollo espiritual, en condiciones de libertad y dignidad, de seguridad económica y de igualdad de oportunidades."
A história do direito humano ao desenvolvimento está intimamente ligada ao processo de descolonização dos países africanos, em meados do século XX, com base principalmente no direito à autodeterminação dos povos, que aparece já no artigo 2.2 da Carta da ONU, que afirma ser um propósito da organização "fomentar entre las Naciones relaciones de amistad basadas en el respeto al principio de la igualdad de derechos y al de la libre determinación de los pueblos."
Devido à não inclusão do direito à livre determinação dos povos na DUDH, "en la Resolución 545 (VI) del 5 de febrero de 1952, la Asamblea General resolvió "Incluir en el Pacto Internacional o en los Pactos Internacionales de Derechos Humanos un artículo sobre el derecho de los pueblos y de las naciones a la libre determinación, reafirmando así el principio enunciado en la Carta de las Naciones Unidas.(...) En consecuencia, el derecho a la libre determinación aparece como artículo 1º de los grandes Pactos Internacionales de Derechos Humanos"
Para Martinez Quinteiro, "ambos Pactos recogían también aquellos derechos de los pueblos más importantes para la legitimación del proceso de descolonización que se acelera después de la Segunda Guerra Mundial, y para la prevención de opresiones neocoloniales alternativas, esto es, el derecho de autodeterminación y el derecho de los pueblos a disponer de sus riquezas naturales, en lo que constituía un brindis al tiempo a la URSS y al Tercer Mundo."
A Resolução 2625 (XXV) adotada pela Assembléia Geral da ONU de 24 de outubro de 1970 (Declaração sobre Princípios de Amizade e Cooperação) estabelece a conexão entre a autodeterminação dos povos e seu desenvolvimento, ao estabelecer: "En virtud del principio de la igualdad de derechos y de la libre determinación de los pueblos, consagrado en la Carta de las Naciones Unidas, todos los pueblos tienen el derecho de determinar libremente, sin injerencia externa, su condición política y de procurar su desarrollo económico, social y cultural, y todo Estado tiene el deber de respetar este derecho de conformidad con las disposiciones de la Carta."
A primeira vez que se trata específica e explícitamente do direito ao desenvolvimento na ONU foi em 21 de fevereiro de 1977, através da resolução 4 (XXXIII) da Comissão de Direitos Humanos, que pede ao secretário-geral da organização que apresente um relatório sobre tal direito. Em dezembro de 1978, é entregue o relatório solicitado, "el estudio más serio y riguroso realizado hasta esa fecha sobre el derecho humano al desarrollo", no qual se afirma a "existencia en Derecho Internacional de un derecho humano al desarrollo".
Em 4 de dezembro de 1986, a Assembléia Geral da ONU aprovou a Declaração sobre o direito ao desenvolvimento (Resolução 41/128, na 97ª. sessão plenária), "auténtico texto de referencia en lo que concierne a la definición y al contenido del derecho humano al desarrollo". Na mesma sessão, a Assembléia Geral também aprovou a resolução 41/133, que "establece un nexo claro entre el derecho al desarrollo y el nuevo orden económico internacional."
Mas toda essa produção "legislativa" é fruto de diversos fatores. O papel da Igreja foi fundamental. De fato, "La idea de un derecho al desarrollo aparece por primera vez en la doctrina social de la Iglesia Católica". Segundo o Papa Pablo VI, em sua famosa Encíclica Populorum Progressio, "el desarrollo es el nuevo nombre de la paz". Ressalte-se que o documento data de 1967, já passado o Concílio Vaticano II.
Na década de 1960, é dizer, ainda durante a Guerra Fria, além da bipolaridade EUA/URSS, constituiu-se também a polaridad Norte/Sul, através da diplomacia dos países do chamado "Terceiro Mundo", que reclamavam seu direito à auto-determinação, fundamento para a descolonização de vários países africanos. Issp trouxe à luz otros direitos de titularidade coletiva, os de terceira geração.
Dessa forma, a partir da metade da década de 1960, teve início o processo de reconhecimento de novos direitos, como o direito à paz, ao meio ambiente, ao desenvolvimento. Ensina Silvia Menicucci: "o processo de descolonização dos anos 60 impôs uma revolução na sociedade internacional e no ordenamento jurídico internacional. Essa mudança repercutiu nos direitos humanos e contribuiu para o reconhecimento de uma categoria especial de sujeitos no Direito Internacional – os países em desenvolvimento. As causas de privações e violações de direitos humanos passaram a ser procuradas também nas estruturas globais de dominação e exploração. Com a intensificação da interdependência e da globalização, os Estados passaram a se conscientizar da existência de problemas globais e riscos compartilhados, cuja solução exige respostas coordenadas e depende necessariamente de cooperação internacional. Os direitos de terceira geração enfatizam a necessidade de decisões e ações conjuntas na esfera internacional, e não apenas no âmbito das fronteiras nacionais. A palavra-chave nesses direitos é solidariedade. Todos os direitos humanos estão relacionados a este valor; todavia, são os direitos de terceira geração que trazem esse traço de forma mais marcante."
A Conferência da ONU sobre direitos humanos, realizada em Viena em 1993, supera as dicotomias existentes durante a Guerra Fria (quando os EUA defendiam os direitos de primeira geração; a URSS, os de segunda; e o Terceiro Mundo, os de terceira) e incorporou uma concepção global dos direitos humanos, bem como reforçou o direito ao desenvolvimento como direito humano.
A Declaração de Viena reconhece o direito ao desenvolvimento como um direito humano universal e inalienável, ao tempo em que pede que a comunidade internacional considere prioridade eliminar a pobreza extrema e a exclusão social, porque são "uma violação da dignidade humana e uma denegação dos direitos econômicos, sociais e culturais. Refere-se, significativamente, aos direitos de todos a um padrão de vida adequado para a saúde e bem-estar (inclusive alimentação, cuidados médicos, moradia e serviços sociais necessários)." O que pode ser considerado un conceito desse direito.
Na Confêrencia de Copenhague (1995), ressaltou-se a importância do indivíduo como impulsor do progreso, e reconheceu-se que o desenvolvimento exige investimento no social, cooperação, bem como redistribuição de créditos.
Inclusive o próprio termo "desenvolvimento" sofreu uma importante evolução, como demonstra a história das relações internacionais. Inicialmente considerado um conceito puramente econômico, tornou-se multidisciplinar.
4. A evolução do conceito de desenvolvimento
A história das relações internacionais demonstra que o termo "desenvolvimento" sofreu uma intensa evolução. Inicialmente considerado como um conceito puramente econômico, tornou-se multidisciplinar. Essa ampliação pode ser dividida em quatro períodos.
O primeiro (1946-1964) é a era da modernização, que tem como características teorias de crescimento econômico em etapas e a imposição externa de políticas. Segundo Georges Abi-Saad, nesse período imperava a concepção de que a ausência de desenvolvimento era resultado das debilidades de cada país, tais como pouca receita e insuficientes fundos para investimento. Assim, o principal modelo de desenvolvimento da época tinha a ajuda estrangeira como elemento estratégico. Acreditava-se que o desenvolvimento seria obtido através do mesmo modelo dos países ricos, mas ainda mais rapidamente devido à ajuda externa.
No segundo período (1956-1975), diante da observação de que o ingresso de capital nos países em desenvolvimento não diminuiu a pobreza, concluiu-se que os câmbios políticos e sociais nesses países somente funcionariam em um contexto global. É dizer, o subdesenvolvimento já não era considerado exclusivamente uma debilidade econômica interna de cada país. O problema do desenvolvimento passou a ser preocupação do sistema econômico internacional, segundo se conclui dos resultados da I Conferência das Nações Unidas sobre Comércio y Desenvolvimento, em 1964. Tentou-se, então, eliminar a dependência e satisfazer as necessidades básicas através de programas integrados de desenvolvimento e redistribuição de riqueza, para eliminar a pobreza. Durante esse período (1974) começa o movimento pela Nova Ordem Econômica Internacional (NOEI), exatamente um ano depois da crise do petróleo de 1973, que revelou aos países desenvolvidos que a dependência era mútua, e não caminhava em sentido único.
No terceiro período, que começa em 1975, questiona-se o papel do Estado de melhorar a qualidade de vida de sua população e surge a preocupação com as condições sócio-culturais. Prioriza-se a participação e o indivíduo conquista o papel de agente desses câmbios. Por outra parte, a década de 1980 esteve caracterizada por um difícil momento econômico internacional, diante do incremento da dívida externa, altas taxas de juros, aumento do protecionismo.
O quarto momento está marcado pela tentativa de criar um ambiente que permita um desenvolvimento economicamente sustentável. Com o fim da Guerra Fria, e o conseqüente fim da era da bipolaridade, surge um ambiente politicamente próprio para esse fim, diante da grande importância alcançada por temas como direitos humanos, democracia, e a maior influência dos países em desenvolvimento.
É dizer, o desenvolvimento exclusivamente econômico já não é suficiente. É necessário um desenvolvimento social, integral, sustentável. Isso está refletifo nas diversas conferências daONU (Rio 1992, Viena 1993, Cairo 1994 e Copenhague 1995), que puderam aportar novos valores acrescentados ao conceito de desenvolvimento, com preocupações tais como o desenvolvimento sustentável e o desenvolvimento social. Mas seu impacto foi eclipsado por questões de paz e de segurança internacionais, diante de tantos conflitos armados localizados, mas com repercussão mundial. Situação que se agravou ainda mais com atentados terroristas, como o de 11 de septiembre de 2001 em Nova York.
Em palavras de Cláudia Perrone Moisés, "com a Declaração da Assembléia Geral das Nações Unidas sobre o direito ao desenvolvimento (41/128 de 4 de diciembre de 1986), positivaram-se todas as dimensões que o termo "desenvolvimento" implica"
O direito ao desenvolvimento é mais do que somente acabar com a pobreza, como dizem os representantes de alguns paises desenvolvidos O desenvolvimento deve ser integral e sustentável, ou seja, respeitando todos os demais direitos humanos (pois todos soão inter-relacionados), bem como a naturaleza (posto que imprescindível para a vida humana).
A essa evolução do conceito de desenvolvimento, deve-se acrescentar agora o adjetivo "sustentável". Assim, o desenvolvimento econômico, social, cultural e "ecológico" (na medida em que respetuoso com a natureza) pode ser considerado o desenvolvimento integral.
5. Conteúdo do direito ao desenvolvimento
Para Jaime Oraá, o direito ao desenvolvimento é tema difícil porque "tanto los sujetos del derecho y de las obligaciones, como el contenido del mismo no se encuentran plenamente definidos por los instrumentos internacionales", além da "ausencia de mecanismos para hacer efectivo el derecho."
O direito ao desenvolvimento é meio (para a realização dos demais direitos humanos) e fim (em si mesmo). De forma muito simples, o desenvolvimento é o que proporciona a condição financeira para comprar o pão. Por outro lado, outros fatores, como a educação, também geram desenvolvimento. Então, todos os direitos humanos devem crescer em conjunto, de mãos dadas, (pois todos inter-relacionados) e não priorizar o (suposto) desenvolvimento em detrimento dos demais direitos. Como disse Amartya Sen: "liberdades de diferentes tipos podem fortalecer umas às outras."
Segundo Silvia Menicucci de Oliveira, o direito ao desenvolvimento é o resultado da união dos direitos humanos e do desenvolvimento. A relação desses temas pôde ampliar a ótica dos direitos humanos. Ela ensina que "o subsistema dos direitos humanos não deve se apartar da totalidade do sistema internacional se pretende ultrapassar os sintomas superficiais, alcançar as estruturas que geram ou propiciam as violações aos direitos humanos." E que o direito ao desenvolvimento é importante, entre outras razões, porque questiona a ordem econômica internacional.
Para Celso Mello "em 1980 a Assembléia Geral (da ONU), em outra resolução, estabelece que ‘o processo de desenvolvimento deve assegurar o respeito à dignidade humana. O objetivo final do desenvolvimento é o alimento constante do bem-estar da população inteira com base em sua plena participa no processo de desenvolvimento e de uma repartição justa dos benefícios que dele decorrem".
O direito ao desenvolvimento, ensina o prof. Celso Mello "é definido por Z. Haquani como ‘um conjunto de princípios e regras no fundamento dos quais o homem, enquanto indivíduo ou membro do corpo social (Estado, nação, povo...) poderá obter, na medida do possível, a satisfação das necessidades econômicas, sociais e culturais indispensáveia à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidada".
Segundo Upendra Baxi, a concepção do direito ao desenvolvimento envolve as noções de: livre determinação dos povos; direito à soberania sobre os recursos naturais; eliminação de violações massivas de direitos humanos; indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos; paz e segurança internacionais; a pessoa humana como principal sujeito (participante e beneficiário) do desenvolvimento; igualdade de oportunidades tanto para as nações quanto para as pessoas e que os recursos obtidos do desarmamento sejam investidos no bem-estar das pessoas, especialmente do terceiro mundo; esforços para uma nova ordem econômica internacional. Define-o como "o direito de todas as pessoas humanas em todas as partes, e da humanidade como um todo, de realizar seu potencial."
Assim, o direito ao desenvolvimento tem uma dimensão individual e outra coletiva. Ademais, leva em consideração os interesses das gerações presentes e futuras. Logo, o direito humano ao desenvolvimento é um direito humano e da humanidade, tanto presentes quanto futuros. Em poucas palavras, é direito individual, coletivo, presente e futuro.
6. Importância do direito ao desenvolvimento
Según Jaime Oraá, o direito ao desenvolvimento é relevante porque "quizá no haya tema más importante y urgente en el derecho internacional de los derechos humanos que el del estudio y la articulación jurídica del derecho al desarrollo", porque "no hay desafío más grande actualmente para la comunidad internacional que el responder a esa situación de subdesarrollo y pobreza en la que se encuentran más de tres cuartas partes de la humanidad, lo cual supone la negación en la práctica de los derechos humanos más fundamentales de la mayor parte del género humano."
Para Felipe Gómez Isa, os direitos de solidariedade são um prévio requisito para o exercício de todos os direitos humanos e reforçam a indivisibilidade e a interdependencia dos direitos humanos.
É impossível dar à população saúde, educação, segurança, etc, sem um mínimo de orçamento. Nesse sentido, o direito ao desenvolvimento tem muita importância. Amartya Sen ensina que "a privação de liberdade econômica, na forma de pobreza extrema, pode tornar a pessoa uma presa indefesa na violação de outros tipos de liberdade" . Para o professor indiano, o desenvolvimento deve ser visto de forma integral, como a liberdade da população refletida no acesso real àsaúde, educação, emprego, etc.; e não apenas como mero índice econômico.
O desenvolvimento tem um forte efeito multiplicador, ensina Amartya Sen: "liberdades de diferentes tipos podem fortalecer umas às outras (...) com oportunidades sociais adequadas, os indivíduos podem efetivamente moldar seu próprio destino e ajudar uns aos outros".
Assim, cooperar para o desenvolvimento dos países menos desenvolvidos é um investimento que terá "retorno" garantido: tornar real os demais direitos humanos para essa população. Mesmo porque os direitos humanos são indissociáveis. Em palavras de Flávia Piovesan: "Não há mais como cogitar da liberdade divorciada da justiça social, como também infrutífero pensar na justiça social divorciada da liberdade. Em suma, todos os direitos humanos constituem um complexo integral, único e indivisível, em que os direitos estão necessariamente inter-relacionados e são interdependentes entre si".
De acordo com Bobbio, "a efetivação de uma maior proteção dos direitos humanos está ligada ao desenvolvimento global da civilização humana. É um problema que não pode ser isolado, sob pena, não digo de não resolvê-lo, mas de sequer compreendê-lo em sua real dimensão. (...) Não se pode pôr o problema dos direitos do homem abstraindo-o dos dois grandes problemas de nosso tempo, que são os problemas da guerra e da miséria".
7. Participação e responsabilidade dos indivíduos
Em Viena, o Secretário-Geral da Conferência Mundial (Sr. I Fall), em um discurso, destaca a importância de capacitar os excluídos para que participem na realização de seus direitos.
Upendra Baxi ensina que "políticas de desenvolvimento que tratam as pessoas como objeto de desenvolvimento e não como seus sujeitos são claramente inapropiadas" diante do artigo 2,3 da Declaração do Direito ao Desenvolvimento (DDD), que requer participação ativa dos indivíduos, e não aceita mais o paternalismo. E mais: "o direito ao desenvolvimento vem acompanhado de uma responsabilidade de todos os seres humanos pelo desenvolvimento".
Há uma cooperação para o desenvolvimento em cada país, do povo com o governo, e o abandono da idéia de que o governo é o único que sabe o melhor para seu povo. Dessa forma, é necessário, para a participação-cooperação, que a libedade de expressão esteja garantida, segundo Baxi.
Sua teoria não resiste à prova da realidade. Não se defende do fato de que as pessoas na miséria não têm acesso à informação. "A miséria vem delimitando, na prática, quem pode e quem não pode ter informação. É uma censura sem censor. Mas implacável."
Em outras palavras, para lograr o desenvolvimento, é necessário participar, o que requer um mínimo de informação, que exige já um mínimo de desenvolvimento. Como sair desse círculo vicioso? A resposta a essa pergunta foge do âmbito desse artigo.
8. Os titulares do direito ao desenvolvimento
Há três correntes sobre a titularidade do direito ao desenvolvimento: os que o consideran um direito individual; um derecho colectivo; o um direito individual e colectivo simultaneamente.
A primeira corrente se baseia na tradição histórica ocidental, que concebe os direitos humanos como direitos individuais. Essa posição é minoritária, porque "el derecho al desarrollo como derecho individual no pasaría de ser una síntesis de los derechos humanos existentes", o que acrescentaria muito pouco.
O caráter coletivo do direito ao desenvolvimento foi defendido pelo bloco soviético e por grande parte dos países em desenvolvimento, bem como por muitos internacionalistas. Para esses autores, "si nos centramos exclusivamente en los aspectos individuales del derecho al desarrollo se contribuye en pequeña medida a la resolución del problema del subdesarrollo, un problema que hunde sus raíces en causas de tipo colectivo y estructural."
Por fim, a postura que considera o direito ao desenvolvimento como individual e coletivo é defendida por alguns países, como França, Países Baixos, Brasil. E a DDD "opta por una postura de equilibrio, de síntesis, respecto a los sujetos del derecho al desarrollo, un equilibrio entre la faceta individual y la faceta colectiva de este derecho humano", mas "el individuo ostenta una posición privilegiada, es "sujeto central del desarrollo", tal y como viene contemplado en el artículo 2.1 de la Declaración."
Gómez Isa ensina que "el derecho al desarrollo va a constar de dos dimensiones, una nacional y otra internacional, siendo las dos absolutamente necesarias para garantizar dicho derecho. En cuanto a la dimensión nacional, es el individuo el que ostenta un direito ao desenvolvimento en relación con su Estado; por su parte, la dimensión internacional conlleva que son principalmente los pueblos y los Estados subdesarrollados los sujetos que pueden reclamar este derecho frente a la comunidad internacional, en este caso, fundamentalmente frente a los países desarrollados."
Não concordo plenamente com essa afirmação. Primeiro, é preciso destacar também a responsabilidade das organizações internacionais diante do problema do subdesenvolvimento. Por outro lado, sou obrigado a recnhecer que Jack Donnely, o maior crítico do (segundo ele) "lendário" direito ao desenvolvimento, está correto ao afirmar que é perigoso conceder direitos aos Estados, que são os que mais violan os direitos humanos (é inclusive um non-sense outorgar direitos humanos a quem mais os viola).
Penso, com base na DDD e muitos outros textos jurídicos mais (Cartas da ONU, da OEA, etc.) que existe um dever de cooperación internacional. Tal dever de cooperação de um Estado não existe em função de outro Estado. Não se trata de um tratado bilateral de "compra e venda de mercadorias", entre Estados, mas de textos internacionais de direitos humanos, que têm a pessoa humana como finalidade última e razão de ser. São textos cujos destinatários e firmantes somos todos nós, através dos Estados. Dessa forma, é a humanidade mesma (através de organizações internacionais, por exemplo) a titular do direito ao desenvolvimento, jamais os Estados. O Estado, como muito, pode ser considerado um "procurador", um representante de seu povo na esfera internacional, onde ainda não se reconhece plenamente ao indivíduo como sujeito de direito internacional, com capacidade jurídica processual.
Em teoria, estou de acordo con Bedjaoui, quando diz que "no tiene porqué existir oposición entre el Estado como sujeto del derecho aldesarrollo y el individuo como su beneficiario. No existe mejor vía para alcanzar el desarrollo del individuo que el que el Estado pueda garantizar su propio derecho al desarrollo." Mas a história me obriga a compartilhar a mesma opinião de Donnelly, nesse ponto específico. Penso que, depois de mais de meio século lutando para que os direitos humanos sejam considerados tema de direito internacional, conceder direitos humanos aos Estados é un retrocesso.
Assim, a meu ver o direito ao desenvolvimento é um direito humano e da humanidade, ou seja, um direito individual no plano interno, e coletivo no plano internacional.
Para Bobbio, es posible afirmar derechos de los pueblos: "torna-se evidente que, ao lado da afirmação dos direitos de cada homem, aos quais se refere de modo exclusivo a Declaração Universal, tornou-se agora madura – através do processo de descolonização e da tomada de consciência dos novos valores que ele expressa – a exigência de afirmar direitos fundamentais dos povos, que não estão necessariamente incluídos nos primeiros." Assim, se vai da não discriminação individual (art. 2.2 DUDH) à autonomia coletiva (Declaração sobre a Concessão da Independência aos Países e Povos Coloniais, aprovada em 14 de dezembro de 1960), e o direito dos povos à auto-determinação (art. 2º Declaração de 1960), princípio primeiro do Pacto sobre os direitos econômicos, sociais e culturais (arts. 1º y 3º).
Ademais, o fato de que existam crimes "contra a humanidade" já é um indicio de que "a humanidade" é sujeito de direitos. Para Bobbio, a Convenção para a Prevenção e Repressão do Genocídio, de 1958, "estende a um grupo humano, considerado em seu conjunto, os artigos 3 e 5 da Declaração Universal."
Para Upendra Baxi, "por la primera vez en la historia reciente, nos movimos de la concepción de derechos como recursos para individuos contra el poder estatal para la concepción de derechos humanos también como derechos de la especie (humana)."
9. Dever de cooperação
A cooperação internacional para o desenvolvimento não é um favor. É uma obrigação jurídica prevista na Declaração de Direito ao desenvolvimento (arts. 3 y 4), bem como muitíssimos outros artigos da Carta da ONU, da OEA, etc. É importante distinguir caridade de justiça, pois o titular de um direito pode ter uma posição ativa de exigir seu cumprimento "a diferencia de la posición subordinada de quien es objeto de un acto de beneficencia".
Ademais, "A cooperação internacional traduz a consciência internacional de que o desenvolvimento de outros estados é essencial para o desenvolvimento (ou a continuidade do desenvolvimento) do próprio estado".
Quase sempre que se fala em cooperação internacional, pensa-se, de imediato, nos Estados ricos. Mas debe-se levar em conta também a responsabilidade das organizações internacionais, porque "Se é válido à ONU, à OEA, a Governos estrangeiros e às ONGs mais respeitáveis recomendar ações e formular cobranças a governos democráticos, também é válidos que estes governos esperem daquelas Organizações e Estados solidariedade e assistência para fazer valer os direitos humanos, inclusive os "de primeira geração".
Además, la "omnipresencia de los derechos humanos (...) se concreta en el reconocimiento de que los derechos humanos se imponen a todos – no sólo a los Estados, sino también a los organismos internacionales, a los grupos privados y a los particulares –, en toda parte, a todo momento, acarreando así obligaciones erga omnes."
Segundo Cançado Trindade, "las propias fuentes de violaciones de los derechos humanos se han diversificado. Ya no se puede más ignorar las violaciones perpetradas, por ejemplo, por organismos financieros o grupos detentores del poder económico". Os própios organismos financieros da ONU, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional ainda têm que demonstrar "compatibilidade com as disposições relevantes dos tratados de direitos humanos das Nações Unidas está a requerer demonstração."
Assim, a cooperação não deve ser apenas dos Estados mais ricos em relação con os mais pobres (e também defendo, como consequência, a responsabilidade dos países em desenvolvimento com os países mais pobres do mundo), mas também das organizações internacionais. Poderiam tais organizações ser responsabilizadas internacionalmente por violações de direitos humanos?
Em palavras de Cançado Trindade: "Os direitos humanos se impõem e obrigam os Estados, e, em igual medida, os organismos internacionais e as entidades ou grupos detentores do poder econômico, particularmente aqueles cujas decisões repercutem no quotidiano da vida de milhões de seres humanos. Os direitos humanos, em razão de sua universalidade nos planos tanto normativo quanto operacional, acarretam obrigações erga omnes."
10. Dificuldades
Para Martinez Quinteiro, "las resistencias que está provocando el reconocimiento jurídico de la "tercera generación" de derechos humanos, tan conformes no obstante con nuestro tiempo, responden al temor de que tal reconocimiento suponga recortes de las libertades individuales, a la creencia de que su juridificación y garantía comportan excesivas dificultades técnicas, al miedo a que la expansión y transformación del discurso de los derechos humanos conduzcan a su banalización y, en buena medida, hay que reconocerlo, a la conciencia de que exigirán sacrificios del Norte desarrollado frente al Tercer Mundo, de los situados frente a los marginales."
Sem embargo, a mentalidade da União Européia começa a mudar. Pelo menos em teoria, começa a aceitar o direito ao desenvolvimento. Veja-se o discurso de uma embaixadora da Irlanda, Mary Whelan, na 60ª sessão da Comissão da ONU para os Direitos Humanos, em 23 de março de 2004. Em uma declaração recente, disse: "Em nome da União Européia, quero reiterar nosso compromisso com o direito ao desenvolvimento, tal como consignado na Declaração e no Programa de Ação de Viena. Esse é um compromisso que também se expressa nas parcerias e nos acordos de desenvolvimento que mantemos com diversos países no mundo todo".
Ademais, o reconhecimento de novos direitos "viene a reforzar los derechos ya existentes y no restringirles." No entanto, é preciso ter cuidado com a "inflação" de direitos humanos. Há já quem fale em uma suposta quarta geração de direitos humanos, aplicável no mundo virtual, que incluiria direitos tão "fundamentais" quanto o de não receber mensagens não solicitadas no correio eletrônico...
É verdade que "el derecho al desarrollo humano y sostenible resulta ser un derecho de difícil aceptación y elaboración si nos ceñimos a los esquemas y conceptos tradicionales de los derechos, de marcado carácter individualista, patrimonialista y burgués." Uma concepção de mundo tão excessivamente individualista como a de hoje dificulta a aceitação de um direito que não é exclusivamente humano (no sentido de individual), mas também de toda a humanidad.
A doutrina jusinternacionalista que não considera a pessoa humana como um sujeito de direito internacional, com capacidade e legitimidade processual está completamente obsoleta, ultrapassada. Especialmente em una época como a presente, na qual nos encontramos diante de problemas estruturais, "É preciso o empenho na busca permanente e sistemática de ação eficaz, adequada ao caráter estrutural das situações a serem enfrentadas. Sem isso, todo esforço é redundante, dispersivo, inepto. A abordagem dos direitos humanos exclusivamente nos seus aspectos individuais deve ser coisa do passado."
11. Conclusões
A racionalidade é colocada em dúvida, especialmente a partir da década de 1970, com a crise do Estado de bem-estar e "la destrucción del planeta por obra de la tecno-ciencia de las sociedades desarrolladas que prometía tan sólo la abundancia y prosperidad."Assim, diante da "magnitud de las amenazas que gravitan sobre cada sistema y sobre el planeta, el egoísmo conduce – racionalmente – a la solidaridad."
Para Martinez Quinteiro, o discurso da terceira geração de direitos humanos, "emancipado de la modernidad clásica, devuelve al mundo la pretensión de cambio y de "progreso" negados por sus crisis. Lejos de verse minado por la crisis de la democracia, o de admitir su inviabilidad, se ofrece como una alternativa de profundización y mundialización de la misma, problemática, utópica por el momento, ocasionalmente manipulable, pero esperanzadora y vigente pese a todo."
Urge que transformemos a presente crise em uma oportunidade, porque "é nos momentos de crise que se tentam os saltos qualitativos, que propiciem avanços reais no campo dos direitos humanos, mesmo porque as crises e o sofrimento humanos evidenciam as necessidades prementes de proteção."
Tal e como o individualismo foi necessário (imprescindível para Bobbio, como visto) para as primeiras gerações de direitos humanos, o coletivismo (é dizer, pensar coletivamente) e a solidariedade o são agora para a realização dos direitos humanos de terceira geração, entre eles, o direito humano ao desenvolvimento integral e sustentável, que nos traz uma nova inversão de valores: de uma sociedade extremamente individualista para uma sociedade mais fraterna e solidária, nem que seja por mera obrigação jurídica e pura necessidade de sobrevivência.
A primeira corrente se baseia na tradição histórica ocidental, que concebe os direitos humanos como direitos individuais. Essa posição é minoritária, porque "el derecho al desarrollo como derecho individual no pasaría de ser una síntesis de los derechos humanos existentes", o que acrescentaria muito pouco.
O caráter coletivo do direito ao desenvolvimento foi defendido pelo bloco soviético e por grande parte dos países em desenvolvimento, bem como por muitos internacionalistas. Para esses autores, "si nos centramos exclusivamente en los aspectos individuales del derecho al desarrollo se contribuye en pequeña medida a la resolución del problema del subdesarrollo, un problema que hunde sus raíces en causas de tipo colectivo y estructural."
Por fim, a postura que considera o direito ao desenvolvimento como individual e coletivo é defendida por alguns países, como França, Países Baixos, Brasil. E a DDD "opta por una postura de equilibrio, de síntesis, respecto a los sujetos del derecho al desarrollo, un equilibrio entre la faceta individual y la faceta colectiva de este derecho humano", mas "el individuo ostenta una posición privilegiada, es "sujeto central del desarrollo", tal y como viene contemplado en el artículo 2.1 de la Declaración."
Gómez Isa ensina que "el derecho al desarrollo va a constar de dos dimensiones, una nacional y otra internacional, siendo las dos absolutamente necesarias para garantizar dicho derecho. En cuanto a la dimensión nacional, es el individuo el que ostenta un direito ao desenvolvimento en relación con su Estado; por su parte, la dimensión internacional conlleva que son principalmente los pueblos y los Estados subdesarrollados los sujetos que pueden reclamar este derecho frente a la comunidad internacional, en este caso, fundamentalmente frente a los países desarrollados."
Não concordo plenamente com essa afirmação. Primeiro, é preciso destacar também a responsabilidade das organizações internacionais diante do problema do subdesenvolvimento. Por outro lado, sou obrigado a recnhecer que Jack Donnely, o maior crítico do (segundo ele) "lendário" direito ao desenvolvimento, está correto ao afirmar que é perigoso conceder direitos aos Estados, que são os que mais violan os direitos humanos (é inclusive um non-sense outorgar direitos humanos a quem mais os viola).
Penso, com base na DDD e muitos outros textos jurídicos mais (Cartas da ONU, da OEA, etc.) que existe um dever de cooperación internacional. Tal dever de cooperação de um Estado não existe em função de outro Estado. Não se trata de um tratado bilateral de "compra e venda de mercadorias", entre Estados, mas de textos internacionais de direitos humanos, que têm a pessoa humana como finalidade última e razão de ser. São textos cujos destinatários e firmantes somos todos nós, através dos Estados. Dessa forma, é a humanidade mesma (através de organizações internacionais, por exemplo) a titular do direito ao desenvolvimento, jamais os Estados. O Estado, como muito, pode ser considerado um "procurador", um representante de seu povo na esfera internacional, onde ainda não se reconhece plenamente ao indivíduo como sujeito de direito internacional, com capacidade jurídica processual.
Em teoria, estou de acordo con Bedjaoui, quando diz que "no tiene porqué existir oposición entre el Estado como sujeto del derecho aldesarrollo y el individuo como su beneficiario. No existe mejor vía para alcanzar el desarrollo del individuo que el que el Estado pueda garantizar su propio derecho al desarrollo." Mas a história me obriga a compartilhar a mesma opinião de Donnelly, nesse ponto específico. Penso que, depois de mais de meio século lutando para que os direitos humanos sejam considerados tema de direito internacional, conceder direitos humanos aos Estados é un retrocesso.
Assim, a meu ver o direito ao desenvolvimento é um direito humano e da humanidade, ou seja, um direito individual no plano interno, e coletivo no plano internacional.
Para Bobbio, es posible afirmar derechos de los pueblos: "torna-se evidente que, ao lado da afirmação dos direitos de cada homem, aos quais se refere de modo exclusivo a Declaração Universal, tornou-se agora madura – através do processo de descolonização e da tomada de consciência dos novos valores que ele expressa – a exigência de afirmar direitos fundamentais dos povos, que não estão necessariamente incluídos nos primeiros." Assim, se vai da não discriminação individual (art. 2.2 DUDH) à autonomia coletiva (Declaração sobre a Concessão da Independência aos Países e Povos Coloniais, aprovada em 14 de dezembro de 1960), e o direito dos povos à auto-determinação (art. 2º Declaração de 1960), princípio primeiro do Pacto sobre os direitos econômicos, sociais e culturais (arts. 1º y 3º).
Ademais, o fato de que existam crimes "contra a humanidade" já é um indicio de que "a humanidade" é sujeito de direitos. Para Bobbio, a Convenção para a Prevenção e Repressão do Genocídio, de 1958, "estende a um grupo humano, considerado em seu conjunto, os artigos 3 e 5 da Declaração Universal."
Para Upendra Baxi, "por la primera vez en la historia reciente, nos movimos de la concepción de derechos como recursos para individuos contra el poder estatal para la concepción de derechos humanos también como derechos de la especie (humana)."
9. Dever de cooperação
A cooperação internacional para o desenvolvimento não é um favor. É uma obrigação jurídica prevista na Declaração de Direito ao desenvolvimento (arts. 3 y 4), bem como muitíssimos outros artigos da Carta da ONU, da OEA, etc. É importante distinguir caridade de justiça, pois o titular de um direito pode ter uma posição ativa de exigir seu cumprimento "a diferencia de la posición subordinada de quien es objeto de un acto de beneficencia".
Ademais, "A cooperação internacional traduz a consciência internacional de que o desenvolvimento de outros estados é essencial para o desenvolvimento (ou a continuidade do desenvolvimento) do próprio estado".
Quase sempre que se fala em cooperação internacional, pensa-se, de imediato, nos Estados ricos. Mas debe-se levar em conta também a responsabilidade das organizações internacionais, porque "Se é válido à ONU, à OEA, a Governos estrangeiros e às ONGs mais respeitáveis recomendar ações e formular cobranças a governos democráticos, também é válidos que estes governos esperem daquelas Organizações e Estados solidariedade e assistência para fazer valer os direitos humanos, inclusive os "de primeira geração".
Además, la "omnipresencia de los derechos humanos (...) se concreta en el reconocimiento de que los derechos humanos se imponen a todos – no sólo a los Estados, sino también a los organismos internacionales, a los grupos privados y a los particulares –, en toda parte, a todo momento, acarreando así obligaciones erga omnes."
Segundo Cançado Trindade, "las propias fuentes de violaciones de los derechos humanos se han diversificado. Ya no se puede más ignorar las violaciones perpetradas, por ejemplo, por organismos financieros o grupos detentores del poder económico". Os própios organismos financieros da ONU, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional ainda têm que demonstrar "compatibilidade com as disposições relevantes dos tratados de direitos humanos das Nações Unidas está a requerer demonstração."
Assim, a cooperação não deve ser apenas dos Estados mais ricos em relação con os mais pobres (e também defendo, como consequência, a responsabilidade dos países em desenvolvimento com os países mais pobres do mundo), mas também das organizações internacionais. Poderiam tais organizações ser responsabilizadas internacionalmente por violações de direitos humanos?
Em palavras de Cançado Trindade: "Os direitos humanos se impõem e obrigam os Estados, e, em igual medida, os organismos internacionais e as entidades ou grupos detentores do poder econômico, particularmente aqueles cujas decisões repercutem no quotidiano da vida de milhões de seres humanos. Os direitos humanos, em razão de sua universalidade nos planos tanto normativo quanto operacional, acarretam obrigações erga omnes."
10. Dificuldades
Para Martinez Quinteiro, "las resistencias que está provocando el reconocimiento jurídico de la "tercera generación" de derechos humanos, tan conformes no obstante con nuestro tiempo, responden al temor de que tal reconocimiento suponga recortes de las libertades individuales, a la creencia de que su juridificación y garantía comportan excesivas dificultades técnicas, al miedo a que la expansión y transformación del discurso de los derechos humanos conduzcan a su banalización y, en buena medida, hay que reconocerlo, a la conciencia de que exigirán sacrificios del Norte desarrollado frente al Tercer Mundo, de los situados frente a los marginales."
Sem embargo, a mentalidade da União Européia começa a mudar. Pelo menos em teoria, começa a aceitar o direito ao desenvolvimento. Veja-se o discurso de uma embaixadora da Irlanda, Mary Whelan, na 60ª sessão da Comissão da ONU para os Direitos Humanos, em 23 de março de 2004. Em uma declaração recente, disse: "Em nome da União Européia, quero reiterar nosso compromisso com o direito ao desenvolvimento, tal como consignado na Declaração e no Programa de Ação de Viena. Esse é um compromisso que também se expressa nas parcerias e nos acordos de desenvolvimento que mantemos com diversos países no mundo todo".
Ademais, o reconhecimento de novos direitos "viene a reforzar los derechos ya existentes y no restringirles." No entanto, é preciso ter cuidado com a "inflação" de direitos humanos. Há já quem fale em uma suposta quarta geração de direitos humanos, aplicável no mundo virtual, que incluiria direitos tão "fundamentais" quanto o de não receber mensagens não solicitadas no correio eletrônico...
É verdade que "el derecho al desarrollo humano y sostenible resulta ser un derecho de difícil aceptación y elaboración si nos ceñimos a los esquemas y conceptos tradicionales de los derechos, de marcado carácter individualista, patrimonialista y burgués." Uma concepção de mundo tão excessivamente individualista como a de hoje dificulta a aceitação de um direito que não é exclusivamente humano (no sentido de individual), mas também de toda a humanidad.
A doutrina jusinternacionalista que não considera a pessoa humana como um sujeito de direito internacional, com capacidade e legitimidade processual está completamente obsoleta, ultrapassada. Especialmente em una época como a presente, na qual nos encontramos diante de problemas estruturais, "É preciso o empenho na busca permanente e sistemática de ação eficaz, adequada ao caráter estrutural das situações a serem enfrentadas. Sem isso, todo esforço é redundante, dispersivo, inepto. A abordagem dos direitos humanos exclusivamente nos seus aspectos individuais deve ser coisa do passado."
11. Conclusões
A racionalidade é colocada em dúvida, especialmente a partir da década de 1970, com a crise do Estado de bem-estar e "la destrucción del planeta por obra de la tecno-ciencia de las sociedades desarrolladas que prometía tan sólo la abundancia y prosperidad."Assim, diante da "magnitud de las amenazas que gravitan sobre cada sistema y sobre el planeta, el egoísmo conduce – racionalmente – a la solidaridad."
Para Martinez Quinteiro, o discurso da terceira geração de direitos humanos, "emancipado de la modernidad clásica, devuelve al mundo la pretensión de cambio y de "progreso" negados por sus crisis. Lejos de verse minado por la crisis de la democracia, o de admitir su inviabilidad, se ofrece como una alternativa de profundización y mundialización de la misma, problemática, utópica por el momento, ocasionalmente manipulable, pero esperanzadora y vigente pese a todo."
Urge que transformemos a presente crise em uma oportunidade, porque "é nos momentos de crise que se tentam os saltos qualitativos, que propiciem avanços reais no campo dos direitos humanos, mesmo porque as crises e o sofrimento humanos evidenciam as necessidades prementes de proteção."
Tal e como o individualismo foi necessário (imprescindível para Bobbio, como visto) para as primeiras gerações de direitos humanos, o coletivismo (é dizer, pensar coletivamente) e a solidariedade o são agora para a realização dos direitos humanos de terceira geração, entre eles, o direito humano ao desenvolvimento integral e sustentável, que nos traz uma nova inversão de valores: de uma sociedade extremamente individualista para uma sociedade mais fraterna e solidária, nem que seja por mera obrigação jurídica e pura necessidade de sobrevivência.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA


INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 surge num contexto de busca da defesa e da realização de direitos fundamentais do indivíduo e da coletividade, nas mais diferentes áreas.
Elege a instituição do Estado Democrático, o qual se destina “a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais”, assim como o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça social, bem como, seguindo a tendência do constitucionalismo contemporâneo, incorporou, expressamente, ao seu texto, o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III) – como valor supremo –, definindo-o como fundamento da República.
Significa dizer que, no âmbito da ponderação de bens ou valores, o princípio da dignidade da pessoa humana justifica, ou até mesmo exige, a restrição de outros bens constitucionalmente protegidos, ainda que representados em normas que contenham direitos fundamentais, de modo a servir como verdadeiro e seguro critério para solução de conflitos.
2 CONCEITO DE DIGNIDADE
A dignidade humana como direito fundamental evoca uma perquirição preliminar: quem são os titulares dos direitos fundamentais?
A resposta deve ser refletida à luz de diferentes documentos jurídicos.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada pela Organização das Nações Unidas de 1948, traz em seu artigo 1º o seguinte: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, concluímos que, segundo esse documento, os titulares dos direitos fundamentais são “todos os homens”.
Se comparado o texto ao da nossa Constituição de 1988 que optou por “todos são iguais perante a lei [...]”, verifica-se que a diferença se encontra na expressão “todos”. No texto da ONU o significado está entendido como:“... significa cada um e todos os humanos do planeta, os quais haverão que ser considerados em sua condição de seres que já nascem dotados de liberdade e igualdade em dignidade e direitos.”
Mas, o que seria a dignidade humana?
O conceito de dignidade humana não é algo contemporâneo. È tema corriqueiro em debates e pesquisas de largo período.
Segundo a visão dos cristãos, havia outra denominação para auferir a idéia de algo tão subjetivo. Sarlet aponta o conceito de dignidade oriundo da Bíblia Sagrada, que traz em seu corpo a crença em um valor intrínseco ao ser humano, não podendo ser ele transformado em mero objeto ou instrumento. De forma que, a chave-mestra do homem é o seu caráter, “imagem e semelhança de Deus”; tal idéia, trazida na Bíblia, explicaria a origem da dignidade e sua inviolabilidade. Já em um sentido filosófico e político na antiguidade, a dignidade humana estava atrelada à posição social que ocupava o indivíduo, inclusive considerado o seu grau de reconhecimento por parte da comunidade onde estava integrado.
Portanto, na antiguidade, os primeiros passos de defesa da dignidade e dos direitos do ser humano encontram-se expressos no Código de Hamurabi, da Babilônia e da Assíria e no Código de Manu, na Índia.
Nesse diapasão, entende-se que nesse momento histórico era possível a classificação do indivíduo como sendo mais ou menos digno perante os outros, de acordo com seu status social.
Em contraponto, o pensamento estóico, classificava a dignidade humana como uma qualidade diferenciadora do ser humano com as demais criaturas da terra; esse conceito nos remete à idéia de liberdade do indivíduo, considerando-o como um ser capaz de construir sua própria existência e destino.
Logo, concluí-se que o conceito de pessoa no sentido subjetivo, com direitos subjetivos ou fundamentais, inclusive dignidade, surge com o cristianismo e vem aperfeiçoada pelos escolásticos.
Na filosofia grega, segundo ensinamentos de Fernando Ferreira dos Santos,
[4]o homem era considerado um animal político ou social. Imperava nesse pensamento uma “confusão” na relação entre indivíduo, Estado e a natureza, uma mistura de cidadania e do ser.
Com o intuito de se esclarecer o que realmente vem a ser dignidade Rizzatto Nunes
[5]aponta que: “dignidade é um conceito que foi sendo elaborado no decorrer da história e chega ao início do século XXI repleta de si mesma como um valor supremo, construído pela razão jurídica”.
Assim, nesse contexto verifica-se um dos papéis do Direito, como instrumento pelo qual se controla a “bestialidade” dos atos humanos, ou seja, controlam-se os impulsos que venham a ser prejudiciais à sociedade como um todo.
A dignidade apresenta-se, pois, como uma conquista da razão ético-jurídica. Seu conceito, porém, não é pacífico.
Ingo Wolfgang Sarlet assevera que a dependência do elemento distintivo da razão fundamenta-se justamente na proteção daqueles que, por motivo de doença física ou deficiência mental, surgem como especialmente carecedores de proteção. E finalmente: se atribui como objeto da dignidade aquilo que precede qualquer reconhecimento, subtrai-se dela, na procura da “vida humana pura”, a dimensão social, para adquirir-se, por meio disso, a indisponibilidade da dignidade.”
Há também conceitos que traduzem a dignidade da pessoa humana como sendo o “direito a naturalidade” ou ainda “direito a contingência”, o que traz um enorme desconforto, se formos guiados apenas pela razão e autofinalidade.
Nesse contexto Chaves Camargo afirmando que a
“[...] pessoa humana, pela condição natural de ser, com sua inteligência e possibilidade de exercício de sua liberdade, se destaca na natureza e diferencia do ser irracional. Estas características expressam um valor e fazem do homem não mais um mero existir, pois este domínio sobre a própria vida, sua superação, é a raiz da dignidade humana. Assim, toda pessoa humana, pelo simples fato de existir, independentemente de sua situação social, traz na sua superioridade racional a dignidade de todo ser.”
Porém até a dignidade pode ser limitada, ou seja, a dignidade de uma pessoa só será ilimitada enquanto não afetar a dignidade de outrem.
E, diferentemente do que se pensa, não é possível a uma pessoa violar a própria dignidade, pois se trata de uma razão jurídica adquirida com o decorrer da história, cabendo então ao Estado a função de zelar a saúde física e psíquica dos indivíduos.
Rizzatto Nunes considera, ainda, a dignidade da pessoa humana como sendo um supraprincípio constitucional, entendendo que se encontra acima dos demais princípios constitucionais.
Como princípio fundador do Estado Brasileiro (CF art. 1º, III), a dignidade da pessoa humana interessa não só pelo seu caráter principiológico, mas também, no presente estudo, pelo seu relacionamento com os direitos sociais.
3 DIGNIDADE HUMANA SOB O PRISMA KANTIANO
É comum lermos em jornais, revistas e artigos a importância de se preservar a dignidade da “pessoa” humana.
Porém, o que vem a ser a “pessoa”?
Esta é uma questão que há centenas de anos muitos procuraram responder. Porém, até hoje, não há conceito uníssono e que se possa afirmar como correto, mesmo ante larga e profunda reflexão.
Há quem diga que a pessoa é o conjunto do corpo, com a alma, inteligência e vontade.
Na verdade, seria muita pretensão compreender a pessoa apenas em sua estrutura interna.
A filosofia kantiana é responsável por uma importante contribuição a respeito. Nela, por pessoa, entende-se mais que um objeto, ou seja, como valor absoluto e insuscetível de coisificação.
Kant aprofunda o conceito de pessoa a ponto de se encontrar um sujeito tratado como “um fim em si mesmo” e nunca como meio a atingir determinada finalidade.
Enfatiza Cleber Francisco Alves
[8]que Kant dá um tratamento especial a dignidade da pessoa humana, tendo em vista que enfoca a dimensão individual da personalidade humana e a sua dimensão comunitária social.
Desta forma:
“[...] diríamos, de seu caráter enigmático, a pessoa humana - na dignidade que lhe é própria - vem sendo colocada como pedra angular, vértice e ponto e ponto de referência do ordenamento jurídico, quer seja no âmbito dos diversos Estados nacionais contemporâneos, quer no âmbito supranacional.”
[9]
Numa análise do desenvolvimento intelectual de Immanuel Kant verificamos que o ponto central de seus estudos era o homem, a liberdade e o individualismo.
Por meio do estudo de sua obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes,
[10]percebe-se um a influência de pensamento burguês somado ao empirismo, sensualismo e o racionalismo. Nela observa-se, ainda a existência de condições consideradas como um a priori ao pensamento e da ação moral do homem.
Kant diverge dos tradicionais racionalistas na medida em que estes se valem dessa condição a priori como base para explicar a moral.
Segundo Kant, a metafísica, a existência de uma realidade transcedental, como a existência de Deus e/ou a imortalidade da alma não são as condições a priori.
Ainda nesse liame temos que a causa é, na verdade, uma forma de pensamento e, seu uso correto se dá através da experiência.
No que tange a produção de conhecimento, para Kant é necessário a existência do objeto que desencadeará a ação do pensamento, sendo ele o ponto de partida, o início de todo pensamento. Mas é indispensável a existência de um ser pensante, capaz de sentir e captar essas impressões, que no caso é o homem.
Assim, segundo os racionalistas a certeza matemática e da física está extremamente vinculada a razão e a experiência; em contrapartida Kant reflete sobre a metafísica como sendo um conhecimento especulativo da razão, sendo então uma forma de obter um caminho seguro que não pode ser pela experimentação.
Na Critica da Razão Pura,
[11]Kant analisa o método de produção de conhecimento. Apesar de acreditar que somente por meio da razão pura conseguiríamos obter uma sociedade ideal, Kant afirma que a razão é inerente ao homem, é algo a priori.
Logo, a razão seria a organização de conceitos, estabelecendo regras de comportamento aos homens que somente é alcançada por meio da ciência, diferente do empírico, que nada mais é do que a experiência de vida acumulada.
A sensibilidade, portanto, é a capacidade da mente receber passivamente representações diversas do objeto, sendo o entendimento a faculdade de organizar as sensações do objeto. Segundo o filósofo, ambos são extremamente necessários para a elaboração do conhecimento.
Essa capacidade de sensibilidade, ou seja, de obter sensações dos objetos, está no homem a priori, precedendo qualquer experiência, é a chamada intuição pura.
Assim, se retirarmos a sensibilidade, ou seja, tudo que vem da sensação, (cor, textura, etc) só nos restará a intuição pura.
Uma vez que o tempo e o espaço são condições, influências externas do meio na capacidade de captação de sensações do homem, a medida que somos afetados pelo objeto concluímos que não intuímos as coisas tal como são em si mesmas, mas sim do modo como elas nos aparecem.
Para Kant o objeto deve ser necessariamente submetido ao sujeito, pois tem o fenômeno como sendo o resultado da relação do objeto com o sujeito.
Kant, nesse sentido, separa os conceitos a priori e a posteriori, considerando que a priori são os existentes ao homem antes de qualquer experiência, enquanto que o a posteriori os obtidos a partir de abstrações das percepções empíricas.
Percebendo então a necessidade da faculdade da imaginação, que também é afetada pelas condições temporais em que os conceitos (apriori ou a posteriori) serão aplicados sobre os objetos da experiência, a imaginação nada mais é do que o elo entre os conceitos intelectuais e a sensibilidade.
A imaginação é algo que podemos usar livremente enquanto que a razão deve ser desvinculada da intuição, da imaginação, da sensibilidade.
Logo, três para ele seriam as faculdades envolvidas na produção de conhecimento, a sensibilidade (que possibilita que o conhecimento se inicie por meios de intuições), a imaginação (que produz esquemas ou regras de síntese) e o entendimento (que julga), todas inerentes ao homem.
Kant adota a chamada “revolução copernicana”, ou seja, ao invés do sujeito cognoscente girar em torno dos objetos, estes que giram ao redor dele. Nota-se aqui a inversão do centro de preocupações, passando o homem a ser o núcleo de todas as problemáticas.
Kant estabelece o conceito de razão prática. Para ele, a vontade nada mais é do que a faculdade do homem de escolher só aquilo que a razão reconhece como praticamente necessário.
Kant propõe, dessa forma, uma moral guiada por leis a priori.
O imperativo categórico de Kant, segundo a razão, seria os elementos que esta considera como necessário, um dever.
Nessa seara, Kant estabelece como imperativo categórico, a LIBERDADE do homem. Que para ser realmente livre necessita de condições para exercer esta liberdade, que nada mais são do que os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana, condições estas que devem ser proporcionadas pelo Estado.
Essa essência humana deve ser respeitada, pois é um existir a priori, o que significa não procurar normas no agir humano, na experiência, pois seria submeter um homem a outro homem. Conservando o que caracteriza o ser humano, que o faz dotado de dignidade especial, o apresenta para nunca ser meio para os outros, e sim um fim em si mesmo.
Immanuel Kant
[12]aborda a dignidade a partir da autodeterminação ética do ser humano, sendo a autonomia o alicerce da dignidade. Segundo a teoria da autonomia da vontade o ser humano é capaz de autodeterminar-se e agir conforme as regras legais, qualidade encontrada apenas em criaturas racionais. Logo, todo ser racional existe como um fim em si mesmo e não como um meio para a imposição de vontades arbitrárias.
Nesse sentido, “todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de ser considerado simultaneamente como um fim”.
[13]
Levando em consideração esse pensamento é que podemos classificar o ser humano em PESSOA.
Ainda nesse sentido, Kant
[14]postula:
“No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisas tem um preço, pode por-se em vez dela qualquer outra como equivalente, mas quando uma coisa está acima de todo preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade [...]. Esta apreciação dá pois a conhecer como dignidade o valor de uma tal disposição de espírito e põe-na infinitamente acima de todo preço. Nunca ela poderia ser posta em cálculo ou confronto com qualquer coisa que tivesse preço, sem de qualquer modo ferir a sua santidade?”
Pode-se pois constatar a forma antropocêntrica de encarar a dignidade, uma vez que a filosofia kantiana a torna privilégio dos seres racionais, colocando de imediato o ser humano no centro das transformações e do mundo. Essa questão possibilita o conflito com os valores admitidos pelo direitos de terceira geração, que são os direitos que se assentam sobre a fraternidade. Estes não pertencem ao indivíduo, e nem a coletividade, mas sim ao gênero humano. Compõe-se pelos direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente, o direito à propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito à comunicação; em suma, considera, por exemplo, o meio ambiente como sendo uma necessidade para a obtenção da dignidade da pessoa humana.
O homem deve ser entendido como um fim em si mesmo, razão pela qual lhe é atribuído valor absoluto: a dignidade. A respeito, ainda, e de acordo com a terminologia empregada por Miguel Reale,
[15]é oportuno destacar três concepções da dignidade da pessoa humana: individualismo, transpersonalismo e personalismo.
Para o individualismo, o homem, cuidando dos seus próprios interesses, indiretamente, protege e realiza os interesses coletivos.
No transpersonalismo é o contrário: deve-se realizar o bem coletivo para salvaguardar os interesses individuais. Inexistindo harmonia entre o bem do indivíduo e o bem do todo, preponderam os valores coletivos.
O personalismo refuta as concepções individualista e coletivista. É um “meio termo”, ou seja, não há de se falar em predomínio do indivíduo ou do todo. Busca-se a solução na compatibilização entre os valores, considerando o que toca ao indivíduo e o que cabe ao todo.
A Constituição brasileira de 1988 elevou o princípio da dignidade da pessoa humana à posição de fundamento da República Federativa do Brasil. Dessa forma, não fez outra coisa senão considerar que o Estado existe em função de todas as pessoas e não estas em função do Estado. Assim, toda ação estatal deve ser avaliada considerando-se cada pessoa como um fim em si mesmo ou como meio para outros objetivos, sob pena de inconstitucional. Procura-se, com isso, compatibilizar valores individuais e coletivos.
4 A DIGNIDADE HUMANA COMO VALOR CONSTITUCIONAL
Segundo Pietro Alarcón de Jesús,
[16]a tendência dos ensinamentos constitucionais é no sentido de reconhecer e valorizar o ser humano como a base e o topo do direito.
No período pós Segunda Guerra Mundial o que prevalecia era um ambiente envolto sob a neblina da dignidade da pessoa humana como sendo um valor indispensável para a instauração de um Estado de Direito Democrático promissor.
Nesse sentido a Constituição Italiana de 1947 consagrou o princípio da dignidade da pessoa humana em seu artigo 3º, com a seguinte expressão: “todos cidadãos tem a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”.
E, em 1949 a Assembléia das Nações Unidas consagrou expressamente as palavras: “A dignidade do homem é intangível. Os poderes públicos estão obrigados a respeitá-la e protegê-la”.
Em 1976, a Constituição da República Portuguesa expressou: “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”.
Nessa mesma linha a Constituição Espanhola estabeleceu que: “(...) A Dignidade da Pessoa, os direitos invioláveis que lhe são inerentes, o livre desenvolvimento da personalidade, o respeito pela lei e pelos direitos dos outros são fundamentos da ordem política e da paz social”.
A Constituição da Alemanha Ocidental do pós-guerra possui, segundo tradução de Nelson Nery Junior, em seu artigo inicial feita por Rizzatto Nunes
[17]a seguinte afirmação: “A dignidade humana é intangível. Respeitá-la, e protegê-la é obrigação de todo o poder público”.
Devido à experiência nazista vivida na Alemanha, foi possível verificar a importância e a conscientização de preservar a dignidade da pessoa humana, deixando clara a responsabilidade Estatal, tanto no âmbito interno como no âmbito externo, de garantir aos indivíduos esse direito.
Na França, apesar de não se encontrar de forma explícita e expressa na constituição de 1958, o princípio da dignidade da pessoa humana é utilizado por hermenêutica através do Conselho Constitucional.
Nas constituições européias a dignidade da pessoa humana está presente e sendo consagrada a cada dia.
Dessa forma, a Constituição de 1990 da Croácia traz este princípio em seu artigo 25º, a da Bulgária de 1991 e da República Tcheca de 1992 em seus preâmbulos, a da Romênia, Letônia em seu artigo 1º, já a da Eslovênia, Lituânia e Rússia em seu artigo 21º e por fim a da República da Estônia de 1992 em seu artigo 10°.
No que tange aos países latinoamericanos, a Constituição da Colômbia no artigo 42º afirma o direito a dignidade da família como sendo inviolável.
A dignidade, como espécie de principio fundamental, serve de base para todos os demais princípios e normas constitucionais, inclusive as normas infraconstitucionais.
Sendo assim, não há como se falar em desconsideração da dignidade da pessoa humana em nenhuma forma de interpretação, aplicação e/ou criação de normas jurídicas, pois, se trata de um supraprincípio constitucional.
No Brasil, com base em Cleber Francisco Alves
[18]a Constituição do Império de 1824 já representou um papel ativo no que se refere a alguns direitos fundamentais como a liberdade, a segurança individual e a propriedade. E, nesse sentido ratificava os princípios da igualdade e da legalidade, ou seja, estabelecia que nenhuma lei seria imposta sem utilidade pública e acarretaria recompensa ou castigo de forma proporcional à aquele que merecesse, incluindo a abolição de privilégios.
Porém não havia ainda menção expressa a dignidade da pessoa humana nas primeiras cartas constitucionais brasileiras, o que veio a ser expresso pela primeira vez na Constituição brasileira de 1934, no seguinte contexto do artigo 115º: ”a todos existência digna”.
A partir deste momento se tornou imprescindível, mesmo que indiretamente, a abordagem constitucional da dignidade da pessoa humana.
5 A DIGNIDADE HUMANA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A Carta de 1988 apresenta como característica a clareza no que se refere à importância da dignidade humana, em conseqüência de todo o contexto histórico já relatado.
Nesse sentido, como pano de fundo, a Constituição Federal do Brasil de 1988 foi elaborada num cenário de pós-ditadura e de abertura política, aliados ao profundo sentimento da necessidade de solidariedade entre os povos.
Assim, nota-se a expressão de uma nova era das garantias individuais, resultado de lutas e abusos no árduo caminho do reconhecimento dessas liberdades, até se alcançar a promulgação desse texto.
Em conformidade com o capítulo I deste trabalho, pode-se afirmar que esta é a Constituição mais democrática que o Brasil já teve, tendo em seu corpo blocos de direitos sociais, individuais e coletivos, tanto no sentido de princípios como comandos.
Analisando a estrutura da Constituição de 1988, Benizete Ramos de Medeiros,
[19]se valendo dos ensinamentos de Ana Paula de Barcellos, classifica a dignidade da pessoa humana dentro do sistema constitucional em níveis, normas, princípios e subprincípios, e regras.
Em nível I, no seu preâmbulo, a Constituição faz menção ao Estado Democrático de Direito como forma de garantir os exercícios dos direitos sociais e individuais.
Em seqüencia, no artigo 1º, incs. I e II e no artigo 170, caput, verifica-se a incumbência da ordem econômica em assegurar a todos uma existência digna.
No artigo 226, §7º, foi dado ênfase a família, como forma de garantir a dignidade da pessoa humana.
Em nível II, o artigo 3º, inc.III e o artigo 23, inc.X, apresentado como “dos objetivos fundamentais”, é o responsável pela afirmação da “exterminação da pobreza e das desigualdades sociais”.
No nível III, a Carta Magna traz, em seu artigo 6º o mínimo que cada indivíduo necessita: educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados.
Destarte, todos os direitos sociais acima citados estão intimamente ligados a dignidade da pessoa humana
Entretanto, na prática, o Estado não tem conseguido garantir esse “mínimo constitucional”, o que, aliado a ignorância do povo quanto aos seus direitos ou de como exercê-los, tem como resultado a falta de aplicabilidade da vontade do legislador constituinte.
Esse fato também pode ser visto no que tange a saúde, onde pessoas enfermas são desrespeitadas todos os dias nos hospitais e postos de saúde.
Assim, proporcional é a matemática da dignidade, quanto maior a qualidade da dignidade, maior é a dificuldade de garanti-la, não apenas por parte do Estado, mas também por parte dos cidadãos que convivem entre si, podendo entre eles um violar a dignidade do outro.
Ao se ter na dignidade a bússola orientadora dos direitos perdidos e ineficazes, não se tem, todavia, garantia de que o navio pródigo consiga chegar lá.
A Constituição aborda, também, a dignidade da pessoa humana em seu duplo significado, ora como princípio fundamental, ora como princípio geral.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Kant, o principal teórico na construção do princípio da dignidade da pessoa humana, parte da premissa de que nenhuma pessoa é passível de valoração, pois, sendo detentora de racionalidade gera a possibilidade de autoafirmação, ou seja, a liberdade em seu sentido amplo.
Dessa metafísica, dessa transcendentalidade do homem é que surge a dignidade e a liberdade, que nada mais são do que valores respaldantes de todo o ordenamento jurídico.
Os direitos fundamentais evoluíram com grande intensidade no sentido de proteger o indivíduo em sua dignidade, porém, se faz necessário ampliar o conceito desses valores e promover a emancipação da sociedade, mais um passo da raça humana no sentido de distribuir de forma equânime o que, pelo trabalho de todos, foi e é conquistado.
Ante a uma sociedade cuja desigualdade ainda é a marca; ante a um contexto de vida onde o capitalismo e outras ideologias alimentam o individualismo; ante aos reclamos da atualidade, em que valores e vidas são constantemente depredados, pondo em risco o próprio planeta, só resta a esperança de um projeto mais solidário para a raça humana.
Assim, propomos a reflexão a respeito do mundo, do estado de nossa humanidade, de que o mundo pode ser imaginado a partir da possibilidade de admitir o outro não como um alguém além de nós, mas o outro enquanto um “alguém em nós”.
A ação humana é capaz de orientar os caminhos da história e da existência individual e coletiva. Uma condição fundamental do ser humano é sua estrutura comunicativa e justamente por essa razão deve estar em constante processo de socialização.
Cabe aos operadores do Direito esse papel de transformação, utilizando a DIGINIDADE DA PESSOA HUMANA como HERMENÊUTICA, a partir da Constituição Federal, sempre objetivando a ampliação do princípio da solidariedade humana para além das fronteiras das palavras, reconhecendo que a civilização só evoluiu e evoluirá quando todos, juntos, pudermos assumir um projeto de vida que leve em consideração nossa essência: seres sociais que somos, a caminho de um mundo sempre melhor e todos em busca do maior direito de todos: O DIREITO À FELICIDADE.